5 de março de 2013

Maldição N.º05


MALDIÇÃO N.º05




 

            – Por favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.

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            Meu nome é Richard, sou policial em Berlin, na Alemanha, e estou investigando um caso muito peculiar: diversos adolescentes estão desaparecendo depois de sair da escola. Aparentemente as vítimas são rapazes entre trezes e dezessete anos, caucasianos que não possuem amizades com outros colegas na escola. Todos os pais comentaram que seus filhos eram muito calados, nunca deram problemas e, acima de tudo, jamais lhes disseram algo sobre ter amigos.
            Durante a investigação, o computador de todos foi levado para análise e, com o acesso as suas contas nas redes sociais, descobriu-se que eles realmente não interagiam muito com outros usuários e no histórico da internet constava um site em comum além daqueles que fazem parte do dia-a-dia dos internautas: “darkdragon.com”. A equipe tentou acessar a página, mas era automaticamente redirecionada para um site de compras de produtos ordinários que não tinham relação alguma com o desaparecimento.
            Recentemente, um novo adolescente foi sequestrado e os pais, divorciados, deram queixa somente depois de vinte e quatro horas após o horário em que o jovem deveria ter chegado em casa – o que dá uma grande margem de tempo ao sequestrador. Por ser tratar de um sequestro semelhante aos outros o técnico em informática foi mandado imediatamente à residência do jovem que morava oficialmente com a mãe. No computador, o mesmo site fora do ar apareceu no histórico. Tudo indicava que realmente era o mesmo sequestrador.
            Quando os professores, colegas e outros funcionários da escola foram questionados sobre o tal garoto responderam que se lembravam vagamente dele, que era um garoto normal, não falava muito, não questionava as lições, fazia o trajeto da escola para casa sempre sozinho, pois não era muito longe. As pessoas estranhavam o seu comportamento quieto e silencioso e o ignoravam por completo. No último trabalho em grupo passado pelo professor, ele simplesmente não compareceu: “Ele é muito tímido”, disseram, “um completo fantasma que não diz uma palavra”.
            Sem mais pistas, a única forma de saber algo mais sobre os sequestros era esperar que a perícia descobrisse informações novas sobre o site darkdragon.com. Eles passaram vários dias monitorando o conteúdo – poderia ver algo escondido que normalmente não encontraríamos como na deep web. E foi certeiro! Ao ser acessado por um navegador livre que não deixa rastros, o site foi direcionado para outro lugar onde era necessária somente uma senha. Para quebrar a senha foram investidas mais algumas horas de processamento e finalmente entramos no site darkdragon.com original.
            Na homepage havia um vídeo sem imagens e instruções para o que parecia uma fórmula de narcótico caseiro. O narcótico deveria ser preparado e tomado antes de se ver o vídeo com fones de ouvido com qualquer outra luz apagada. Era arriscado, mas tomamos as devidas providências o quanto antes e colocamos o único plano que tínhamos em prática: colocar alguém para assistir o vídeo.
            Meu parceiro de confiança se ofereceu para o trabalho e com o narcótico pronto, o colocamos amarrado numa cadeira em uma sala monitorada e esperamos que aquilo surtisse algum efeito. Nos primeiro cinco minutos ele ficou apenas parado olhando e então começou a gritar desesperadamente: “Tirem-me daqui eu não quero ver esse monstro! Me soltem! Me soltem!” Os médicos correram para a sala e ele já estava estático novamente. Fui averiguar com meus próprios olhos:
            – Edward, o que houve? O que você viu?
            – O quê? Eu vi alguma coisa? – ele estava confuso.
            – Você não se lembra? Você acabou de gritar! Venha, vamos ver o que a câmera gravou... – nós saímos e assim que eu me virei ele saiu correndo pelo corredor afora, derrubando quem estivesse em seu caminho.
            Gritei por ele e não tive resposta. Ele pegou o carro dele e eu entrei na nossa viatura. Chamei reforços e outra viatura nos acompanhou. Ele dirigiu por horas a fio pelas rodovias e num ponto improvável, tomou um caminho pelo acostamento e seguiu por uma estrada de terra. A mata começou a ficar fechada, ele parou o carro e começou a correr a pé entre as árvores. Estava começando a anoitecer e logo tudo ficou completamente escuro. Eu e os outros policiais ligamos nossas lanternas e fomos seguindo seus passos antes que Ed sumisse de vez.
            Passamos por um pequeno riacho e subimos uma colina íngreme. No fim da corrida, nos deparamos com velhas construções destruídas durante a segunda guerra mundial, destroços de um possível forte ou instalação avançada que demarcava o território ou algum tipo de edificação semelhante. Edward entrou ali, ouvimos uma segunda voz conversando com ele:
            – É você? – perguntou Ed.
            – Quem quer saber?
            Meu parceiro fez silêncio, como se faltasse-lhe alguma instrução e apontou sua arma para ele.
            – Eu vou te matar, monstro!
            Não sei bem descrever o que aconteceu, a criatura que permanecia encoberta pelo teto semidesabado desferiu-lhe um golpe certeiro no pescoço fazendo-o sangrar muito. Caindo, ele ainda disparou três vezes contra o escuro. Mudei de posição e iluminei melhor o local, já não havia ninguém além do corpo inerte do meu parceiro. Me aproximei:
            – Descanse em paz Ed... – ouvi um barulho de algo se mexendo. – Quem está aí?
            Iluminei ao meu redor e atirei quatro ou cinco vezes. Entenda, eu sou policial e enfrentei diversos maníacos e psicopatas antes, ajo friamente e procuro não exceder com minhas obrigações, tanto que eu ascendi de cargo e cheguei ali por mérito e esforço meus. Naquele momento, porém, eu vacilei. Eu vi algo horrível, alto, esquelético, olhos negros e fundos vertendo algo vermelho. Tinha três dedos, braços finos e compridos que se moviam freneticamente como em um surto epilético e, “Oh, Deus!”, a boca não estava na cabeça! Era uma abertura enorme e desproporcional no meio da barriga, com dentes podres e uma língua enorme. Eu gelei e não sabia o que fazer, agi por impulso simplesmente atirando ao ver que a criatura iria tentar me atacar. Eu juro!
            Voltei para as árvores, procurando pelos outros policias. Só encontrei um rastro de sangue no chão que escorria por um tronco próximo. Me afastei e olhei para cima. Os corpos mortos deles caíram no chão. Atirei para cima quando ouvi murmúrios sinistros e acho que, seja o que for que estivesse ali, se afastou.
            Perdi meu fôlego, fiquei de joelhos e tentei respirar melhor. Olhei de volta para a casa e uma porta caiu, revelando uma passagem nova que ia para baixo e uma luz tênue que iluminava o caminho. Se aquilo era uma construção do tempo da guerra, então deveria ter uma saída secreta ou uma reserva de interesse militar. Por deus, eu engoli a seco e por algum motivo fui verificar o que havia ali. Ouvi mais murmúrios e fiquei completamente arrepiado, parecia que ali atrás estava o inferno com os pecadores sofrendo! Contei as balas que ainda tinha, me assegurei de que o meu pente reserva ainda estava comigo e virei aquela maçaneta. O som parou e uma luz um pouco mais forte se ascendeu e iluminou melhor aquele longo corredor branco restaurado recentemente ainda com cheiro de tinta, que lembrava um hospital, ou melhor, uma cadeia, uma vez que era ladeado de celas vazias com grades entreabertas. Respirei fundo mais uma vez e continuei. No extremo do corredor havia uma nova porta, nova como o resto do ambiente. A luz lá dentro falhava e repentinamente alguém começou a gritar horrivelmente. Esperei a agonia parar por um instante e dei um chute que arrebentou a fechadura da porta.
            É difícil descrever aquela cena. Quem estava ali era o último adolescente desaparecido, mas não era ele, estava terrivelmente desfigurado. Metade do seu corpo sofrera mutações e continuava a mudar. Seu braço esquerdo se esticava pouco a pouco, pulsando, e na ponta uma boca com dentes afiados se formava, derramando saliva em abundância. Parte de sua face pendia para o mesmo lado e se fundia ao ombro, fazendo o pescoço desaparecer. A perna esquerda diminuía proporcionalmente ao crescimento do braço e tomava a forma de um tentáculo, não como um polvo, mas como uma enguia úmida e inquieta. Os olhos dele estavam completamente brancos e o nariz desaparecia. Naquela posição macabra que eu não imaginaria em meus piores pesadelos, ele falou:
            – Por favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.
            Eu levantei a arma e hesitei. Tentei encontrar forças dentro de mim para evitar que aquele pobre garoto que perdera absolutamente a possibilidade de viver uma vida normal pudesse pelo menos receber a eutanásia o mais rápido possível. Fechei os meus olhos e atirei. Quando abri, eu vi um homem alto de roupas pretas com uma cicatriz no rosto com a bala que eu havia acabo de atirar na ponta de seus dedos. Eu estava atônito com cena incabível e ele começou a falar:
            – Este não, este eu vou levar... – era a mesma voz que havia falado com Edward no escuro.
            – Dark dragon... – eu disse.
            Senti o pavor tomar meu corpo, algo que me paralisou inteiramente e aquilo não vinha de mim, vinha dele. Era mal, ruim, maligno, demoníaco, louco... Fiquei completamente apavorado, molhando minhas calças. Ele colocou algo na boca do garoto e eu desmaiei.
            Acordei vários dias depois no hospital. Por sorte a outra viatura tinha informado corretamente nossa localização e eu fui encontrado com vida naquele lugar ermo. O psiquiatra foi me visitar diversas vezes. Não, não era um psicólogo, tive certeza que era um psiquiatra com tantos remédios que ele indicava para qualquer sintoma que viesse a ter. O caso foi abafado por causa da criatura bizarra que eu havia matado a tiros e concluíram que nada deveria vir a público. Fui suspenso do meu cargo e aposentado da polícia.
            Hoje eu consegui ir pra casa e encontrei no meu quarto a cópia que eu havia feito da pasta com os documentos do último sequestrado. Não havia muito além dos dados pessoais: Dimitri, quinze anos, habilidade em informática.
            Coloquei a pasta no criado-mudo e me deitei depois de relê-la, pensando no que o departamento disse aos pais dele. Só havia algo que me faltava saber... Olhei para meu computador e comecei a escrever esta carta. Eu entrei no site darkdragon.com com o navegador certo e com a senha que os técnicos conseguiram. Peguei a fórmula e preparei ela como deveria. Pus os fones de ouvido e agora vou saber o que faltava no vídeo que Edward não sabia...

...

            Esta carta e a imagem abaixo estavam no disco-rígido de um notebook, encontrado na casa incendiada de um ex-policial considerado demente. Ele foi encontrado carbonizado numa posição estranha, colocando as mãos dentro da própria barriga aberta por um canivete deixado ao seu lado. Sem solução, o caso foi arquivado.

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