MALDIÇÃO N.º05
– Por
favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.
...
Meu nome é
Richard, sou policial em Berlin, na Alemanha, e estou investigando um caso
muito peculiar: diversos adolescentes estão desaparecendo depois de sair da
escola. Aparentemente as vítimas são rapazes entre trezes e dezessete anos,
caucasianos que não possuem amizades com outros colegas na escola. Todos os
pais comentaram que seus filhos eram muito calados, nunca deram problemas e,
acima de tudo, jamais lhes disseram algo sobre ter amigos.
Durante a
investigação, o computador de todos foi levado para análise e, com o acesso as
suas contas nas redes sociais, descobriu-se que eles realmente não interagiam
muito com outros usuários e no histórico da internet constava um site em comum
além daqueles que fazem parte do dia-a-dia dos internautas: “darkdragon.com”. A
equipe tentou acessar a página, mas era automaticamente redirecionada para um
site de compras de produtos ordinários que não tinham relação alguma com o
desaparecimento.
Recentemente,
um novo adolescente foi sequestrado e os pais, divorciados, deram queixa
somente depois de vinte e quatro horas após o horário em que o jovem deveria
ter chegado em casa – o que dá uma grande margem de tempo ao sequestrador. Por
ser tratar de um sequestro semelhante aos outros o técnico em informática foi
mandado imediatamente à residência do jovem que morava oficialmente com a mãe.
No computador, o mesmo site fora do ar apareceu no histórico. Tudo indicava que
realmente era o mesmo sequestrador.
Quando os
professores, colegas e outros funcionários da escola foram questionados sobre o
tal garoto responderam que se lembravam vagamente dele, que era um garoto
normal, não falava muito, não questionava as lições, fazia o trajeto da escola
para casa sempre sozinho, pois não era muito longe. As pessoas estranhavam o
seu comportamento quieto e silencioso e o ignoravam por completo. No último
trabalho em grupo passado pelo professor, ele simplesmente não compareceu: “Ele
é muito tímido”, disseram, “um completo fantasma que não diz uma palavra”.
Sem mais
pistas, a única forma de saber algo mais sobre os sequestros era esperar que a
perícia descobrisse informações novas sobre o site darkdragon.com. Eles
passaram vários dias monitorando o conteúdo – poderia ver algo escondido que
normalmente não encontraríamos como na deep web. E foi certeiro! Ao ser
acessado por um navegador livre que não deixa rastros, o site foi direcionado
para outro lugar onde era necessária somente uma senha. Para quebrar a senha
foram investidas mais algumas horas de processamento e finalmente entramos no
site darkdragon.com original.
Na homepage
havia um vídeo sem imagens e instruções para o que parecia uma fórmula de
narcótico caseiro. O narcótico deveria ser preparado e tomado antes de se ver o
vídeo com fones de ouvido com qualquer outra luz apagada. Era arriscado, mas
tomamos as devidas providências o quanto antes e colocamos o único plano que
tínhamos em prática: colocar alguém para assistir o vídeo.
Meu
parceiro de confiança se ofereceu para o trabalho e com o narcótico pronto, o colocamos
amarrado numa cadeira em uma sala monitorada e esperamos que aquilo surtisse
algum efeito. Nos primeiro cinco minutos ele ficou apenas parado olhando e
então começou a gritar desesperadamente: “Tirem-me daqui eu não quero ver esse
monstro! Me soltem! Me soltem!” Os médicos correram para a sala e ele já estava
estático novamente. Fui averiguar com meus próprios olhos:
– Edward, o
que houve? O que você viu?
– O quê? Eu
vi alguma coisa? – ele estava confuso.
– Você não
se lembra? Você acabou de gritar! Venha, vamos ver o que a câmera gravou... –
nós saímos e assim que eu me virei ele saiu correndo pelo corredor afora,
derrubando quem estivesse em seu caminho.
Gritei por
ele e não tive resposta. Ele pegou o carro dele e eu entrei na nossa viatura.
Chamei reforços e outra viatura nos acompanhou. Ele dirigiu por horas a fio pelas
rodovias e num ponto improvável, tomou um caminho pelo acostamento e seguiu por
uma estrada de terra. A mata começou a ficar fechada, ele parou o carro e
começou a correr a pé entre as árvores. Estava começando a anoitecer e logo
tudo ficou completamente escuro. Eu e os outros policiais ligamos nossas
lanternas e fomos seguindo seus passos antes que Ed sumisse de vez.
Passamos
por um pequeno riacho e subimos uma colina íngreme. No fim da corrida, nos
deparamos com velhas construções destruídas durante a segunda guerra mundial,
destroços de um possível forte ou instalação avançada que demarcava o
território ou algum tipo de edificação semelhante. Edward entrou ali, ouvimos
uma segunda voz conversando com ele:
– É você? –
perguntou Ed.
– Quem quer
saber?
Meu
parceiro fez silêncio, como se faltasse-lhe alguma instrução e apontou sua arma
para ele.
– Eu vou te
matar, monstro!
Não sei bem
descrever o que aconteceu, a criatura que permanecia encoberta pelo teto
semidesabado desferiu-lhe um golpe certeiro no pescoço fazendo-o sangrar muito.
Caindo, ele ainda disparou três vezes contra o escuro. Mudei de posição e
iluminei melhor o local, já não havia ninguém além do corpo inerte do meu
parceiro. Me aproximei:
– Descanse
em paz Ed... – ouvi um barulho de algo se mexendo. – Quem está aí?
Iluminei ao
meu redor e atirei quatro ou cinco vezes. Entenda, eu sou policial e enfrentei
diversos maníacos e psicopatas antes, ajo friamente e procuro não exceder com
minhas obrigações, tanto que eu ascendi de cargo e cheguei ali por mérito e
esforço meus. Naquele momento, porém, eu vacilei. Eu vi algo horrível, alto,
esquelético, olhos negros e fundos vertendo algo vermelho. Tinha três dedos,
braços finos e compridos que se moviam freneticamente como em um surto
epilético e, “Oh, Deus!”, a boca não estava na cabeça! Era uma abertura enorme
e desproporcional no meio da barriga, com dentes podres e uma língua enorme. Eu
gelei e não sabia o que fazer, agi por impulso simplesmente atirando ao ver que
a criatura iria tentar me atacar. Eu juro!
Voltei para
as árvores, procurando pelos outros policias. Só encontrei um rastro de sangue
no chão que escorria por um tronco próximo. Me afastei e olhei para cima. Os
corpos mortos deles caíram no chão. Atirei para cima quando ouvi murmúrios
sinistros e acho que, seja o que for que estivesse ali, se afastou.
Perdi meu
fôlego, fiquei de joelhos e tentei respirar melhor. Olhei de volta para a casa
e uma porta caiu, revelando uma passagem nova que ia para baixo e uma luz tênue
que iluminava o caminho. Se aquilo era uma construção do tempo da guerra, então
deveria ter uma saída secreta ou uma reserva de interesse militar. Por deus, eu
engoli a seco e por algum motivo fui verificar o que havia ali. Ouvi mais
murmúrios e fiquei completamente arrepiado, parecia que ali atrás estava o
inferno com os pecadores sofrendo! Contei as balas que ainda tinha, me
assegurei de que o meu pente reserva ainda estava comigo e virei aquela
maçaneta. O som parou e uma luz um pouco mais forte se ascendeu e iluminou
melhor aquele longo corredor branco restaurado recentemente ainda com cheiro de
tinta, que lembrava um hospital, ou melhor, uma cadeia, uma vez que era ladeado
de celas vazias com grades entreabertas. Respirei fundo mais uma vez e
continuei. No extremo do corredor havia uma nova porta, nova como o resto do
ambiente. A luz lá dentro falhava e repentinamente alguém começou a gritar
horrivelmente. Esperei a agonia parar por um instante e dei um chute que
arrebentou a fechadura da porta.
É difícil
descrever aquela cena. Quem estava ali era o último adolescente desaparecido,
mas não era ele, estava terrivelmente desfigurado. Metade do seu corpo sofrera
mutações e continuava a mudar. Seu braço esquerdo se esticava pouco a pouco,
pulsando, e na ponta uma boca com dentes afiados se formava, derramando saliva
em abundância. Parte de sua face pendia para o mesmo lado e se fundia ao ombro,
fazendo o pescoço desaparecer. A perna esquerda diminuía proporcionalmente ao
crescimento do braço e tomava a forma de um tentáculo, não como um polvo, mas
como uma enguia úmida e inquieta. Os olhos dele estavam completamente brancos e
o nariz desaparecia. Naquela posição macabra que eu não imaginaria em meus
piores pesadelos, ele falou:
– Por
favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.
Eu levantei
a arma e hesitei. Tentei encontrar forças dentro de mim para evitar que aquele
pobre garoto que perdera absolutamente a possibilidade de viver uma vida normal
pudesse pelo menos receber a eutanásia o mais rápido possível. Fechei os meus
olhos e atirei. Quando abri, eu vi um homem alto de roupas pretas com uma
cicatriz no rosto com a bala que eu havia acabo de atirar na ponta de seus
dedos. Eu estava atônito com cena incabível e ele começou a falar:
– Este não,
este eu vou levar... – era a mesma voz que havia falado com Edward no escuro.
– Dark
dragon... – eu disse.
Senti o pavor
tomar meu corpo, algo que me paralisou inteiramente e aquilo não vinha de mim,
vinha dele. Era mal, ruim, maligno, demoníaco, louco... Fiquei completamente
apavorado, molhando minhas calças. Ele colocou algo na boca do garoto e eu
desmaiei.
Acordei
vários dias depois no hospital. Por sorte a outra viatura tinha informado
corretamente nossa localização e eu fui encontrado com vida naquele lugar ermo.
O psiquiatra foi me visitar diversas vezes. Não, não era um psicólogo, tive
certeza que era um psiquiatra com tantos remédios que ele indicava para
qualquer sintoma que viesse a ter. O caso foi abafado por causa da criatura
bizarra que eu havia matado a tiros e concluíram que nada deveria vir a
público. Fui suspenso do meu cargo e aposentado da polícia.
Hoje eu
consegui ir pra casa e encontrei no meu quarto a cópia que eu havia feito da
pasta com os documentos do último sequestrado. Não havia muito além dos dados
pessoais: Dimitri, quinze anos, habilidade em informática.
Coloquei a
pasta no criado-mudo e me deitei depois de relê-la, pensando no que o
departamento disse aos pais dele. Só havia algo que me faltava saber... Olhei
para meu computador e comecei a escrever esta carta. Eu entrei no site
darkdragon.com com o navegador certo e com a senha que os técnicos conseguiram.
Peguei a fórmula e preparei ela como deveria. Pus os fones de ouvido e agora
vou saber o que faltava no vídeo que Edward não sabia...
...
Esta carta e a imagem abaixo estavam
no disco-rígido de um notebook, encontrado na casa incendiada de um ex-policial
considerado demente. Ele foi encontrado carbonizado numa posição estranha,
colocando as mãos dentro da própria barriga aberta por um canivete deixado ao
seu lado. Sem solução, o caso foi arquivado.
...
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