7 de março de 2013

Lágrimas Negras

Absorto de seu trabalho árduo, cretino e cruel, ele parou um instante e começou a cantar a música de sua vida. Não sabia bem como sentia aquilo tão bem, ele apenas balbuciou as palavras até que elas viraram um canto amargo e desafinado...


Lágrimas Negras

 
Por incontáveis noites desejei que o amanhã não chegasse,
Perdidos meus sonhos e meu amor, assim como a chuva que me acerta, estou chorando...
 
Para que eu possa viver dessa forma, sem enfeites,
O que é necessário?
Sem acreditar nem em mim mesmo, em que devo acreditar?
A resposta está tão perto que não posso enxergá-la
 
Eu, que derramo lágrimas negras,
Não tenho nada e me sinto infinitamente triste
De um modo que não se pode expressar com palavras
Em todo o meu corpo começo a sentir dor
Tanto quanto uma pessoa só não pode suportar
 
Cansado de chorar na madrugada, meu rosto já não mais transparece quem sou,
Criar sorrisos que escondem minhas fraquezas é algo que vou parar de fazer...
 
Viver sem se enfeitar, seria neste mundo a coisa mais,
Difícil de se fazer?
Se for pra receber algo de você, é melhor que não tenha um formato,
Não quero mais nada que possa se quebrar...
 
Mesmo que eu chore derramando lágrimas negras
O amanhã chegará com seu rosto desconhecido
E serei atingido pela mesma dor
Se os dias forem continuar assim
Quero desaparecer ao longe
Mesmo sabendo o quanto isso é egoísta...
 
Eu, que derramo lágrimas negras
Não tenho mais nada, e estou infinitamente triste
De um modo que não se pode expressar com palavras
Em todo o meu corpo começo a sentir dor
 
Mesmo que eu chore derramando lágrimas negras
O amanhã chegará com seu rosto desconhecido
E serei atingido pela mesma dor
Se os dias forem continuar assim
Quero desaparecer ao longe
Mesmo sabendo o quanto isso é egoísta...
...

No chão haviam gostas negras e escuras pigadas de seu rosto. Não era humano, não era gente, não sabia o que era ou para quê fora criado. Horrizado consigo mesmo, decidiu nãos sair naquele dia e poupar por algumas horas as almas que iria torturar indescritivelmente...


 

5 de março de 2013

Maldição N.º05


MALDIÇÃO N.º05




 

            – Por favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.

...

            Meu nome é Richard, sou policial em Berlin, na Alemanha, e estou investigando um caso muito peculiar: diversos adolescentes estão desaparecendo depois de sair da escola. Aparentemente as vítimas são rapazes entre trezes e dezessete anos, caucasianos que não possuem amizades com outros colegas na escola. Todos os pais comentaram que seus filhos eram muito calados, nunca deram problemas e, acima de tudo, jamais lhes disseram algo sobre ter amigos.
            Durante a investigação, o computador de todos foi levado para análise e, com o acesso as suas contas nas redes sociais, descobriu-se que eles realmente não interagiam muito com outros usuários e no histórico da internet constava um site em comum além daqueles que fazem parte do dia-a-dia dos internautas: “darkdragon.com”. A equipe tentou acessar a página, mas era automaticamente redirecionada para um site de compras de produtos ordinários que não tinham relação alguma com o desaparecimento.
            Recentemente, um novo adolescente foi sequestrado e os pais, divorciados, deram queixa somente depois de vinte e quatro horas após o horário em que o jovem deveria ter chegado em casa – o que dá uma grande margem de tempo ao sequestrador. Por ser tratar de um sequestro semelhante aos outros o técnico em informática foi mandado imediatamente à residência do jovem que morava oficialmente com a mãe. No computador, o mesmo site fora do ar apareceu no histórico. Tudo indicava que realmente era o mesmo sequestrador.
            Quando os professores, colegas e outros funcionários da escola foram questionados sobre o tal garoto responderam que se lembravam vagamente dele, que era um garoto normal, não falava muito, não questionava as lições, fazia o trajeto da escola para casa sempre sozinho, pois não era muito longe. As pessoas estranhavam o seu comportamento quieto e silencioso e o ignoravam por completo. No último trabalho em grupo passado pelo professor, ele simplesmente não compareceu: “Ele é muito tímido”, disseram, “um completo fantasma que não diz uma palavra”.
            Sem mais pistas, a única forma de saber algo mais sobre os sequestros era esperar que a perícia descobrisse informações novas sobre o site darkdragon.com. Eles passaram vários dias monitorando o conteúdo – poderia ver algo escondido que normalmente não encontraríamos como na deep web. E foi certeiro! Ao ser acessado por um navegador livre que não deixa rastros, o site foi direcionado para outro lugar onde era necessária somente uma senha. Para quebrar a senha foram investidas mais algumas horas de processamento e finalmente entramos no site darkdragon.com original.
            Na homepage havia um vídeo sem imagens e instruções para o que parecia uma fórmula de narcótico caseiro. O narcótico deveria ser preparado e tomado antes de se ver o vídeo com fones de ouvido com qualquer outra luz apagada. Era arriscado, mas tomamos as devidas providências o quanto antes e colocamos o único plano que tínhamos em prática: colocar alguém para assistir o vídeo.
            Meu parceiro de confiança se ofereceu para o trabalho e com o narcótico pronto, o colocamos amarrado numa cadeira em uma sala monitorada e esperamos que aquilo surtisse algum efeito. Nos primeiro cinco minutos ele ficou apenas parado olhando e então começou a gritar desesperadamente: “Tirem-me daqui eu não quero ver esse monstro! Me soltem! Me soltem!” Os médicos correram para a sala e ele já estava estático novamente. Fui averiguar com meus próprios olhos:
            – Edward, o que houve? O que você viu?
            – O quê? Eu vi alguma coisa? – ele estava confuso.
            – Você não se lembra? Você acabou de gritar! Venha, vamos ver o que a câmera gravou... – nós saímos e assim que eu me virei ele saiu correndo pelo corredor afora, derrubando quem estivesse em seu caminho.
            Gritei por ele e não tive resposta. Ele pegou o carro dele e eu entrei na nossa viatura. Chamei reforços e outra viatura nos acompanhou. Ele dirigiu por horas a fio pelas rodovias e num ponto improvável, tomou um caminho pelo acostamento e seguiu por uma estrada de terra. A mata começou a ficar fechada, ele parou o carro e começou a correr a pé entre as árvores. Estava começando a anoitecer e logo tudo ficou completamente escuro. Eu e os outros policiais ligamos nossas lanternas e fomos seguindo seus passos antes que Ed sumisse de vez.
            Passamos por um pequeno riacho e subimos uma colina íngreme. No fim da corrida, nos deparamos com velhas construções destruídas durante a segunda guerra mundial, destroços de um possível forte ou instalação avançada que demarcava o território ou algum tipo de edificação semelhante. Edward entrou ali, ouvimos uma segunda voz conversando com ele:
            – É você? – perguntou Ed.
            – Quem quer saber?
            Meu parceiro fez silêncio, como se faltasse-lhe alguma instrução e apontou sua arma para ele.
            – Eu vou te matar, monstro!
            Não sei bem descrever o que aconteceu, a criatura que permanecia encoberta pelo teto semidesabado desferiu-lhe um golpe certeiro no pescoço fazendo-o sangrar muito. Caindo, ele ainda disparou três vezes contra o escuro. Mudei de posição e iluminei melhor o local, já não havia ninguém além do corpo inerte do meu parceiro. Me aproximei:
            – Descanse em paz Ed... – ouvi um barulho de algo se mexendo. – Quem está aí?
            Iluminei ao meu redor e atirei quatro ou cinco vezes. Entenda, eu sou policial e enfrentei diversos maníacos e psicopatas antes, ajo friamente e procuro não exceder com minhas obrigações, tanto que eu ascendi de cargo e cheguei ali por mérito e esforço meus. Naquele momento, porém, eu vacilei. Eu vi algo horrível, alto, esquelético, olhos negros e fundos vertendo algo vermelho. Tinha três dedos, braços finos e compridos que se moviam freneticamente como em um surto epilético e, “Oh, Deus!”, a boca não estava na cabeça! Era uma abertura enorme e desproporcional no meio da barriga, com dentes podres e uma língua enorme. Eu gelei e não sabia o que fazer, agi por impulso simplesmente atirando ao ver que a criatura iria tentar me atacar. Eu juro!
            Voltei para as árvores, procurando pelos outros policias. Só encontrei um rastro de sangue no chão que escorria por um tronco próximo. Me afastei e olhei para cima. Os corpos mortos deles caíram no chão. Atirei para cima quando ouvi murmúrios sinistros e acho que, seja o que for que estivesse ali, se afastou.
            Perdi meu fôlego, fiquei de joelhos e tentei respirar melhor. Olhei de volta para a casa e uma porta caiu, revelando uma passagem nova que ia para baixo e uma luz tênue que iluminava o caminho. Se aquilo era uma construção do tempo da guerra, então deveria ter uma saída secreta ou uma reserva de interesse militar. Por deus, eu engoli a seco e por algum motivo fui verificar o que havia ali. Ouvi mais murmúrios e fiquei completamente arrepiado, parecia que ali atrás estava o inferno com os pecadores sofrendo! Contei as balas que ainda tinha, me assegurei de que o meu pente reserva ainda estava comigo e virei aquela maçaneta. O som parou e uma luz um pouco mais forte se ascendeu e iluminou melhor aquele longo corredor branco restaurado recentemente ainda com cheiro de tinta, que lembrava um hospital, ou melhor, uma cadeia, uma vez que era ladeado de celas vazias com grades entreabertas. Respirei fundo mais uma vez e continuei. No extremo do corredor havia uma nova porta, nova como o resto do ambiente. A luz lá dentro falhava e repentinamente alguém começou a gritar horrivelmente. Esperei a agonia parar por um instante e dei um chute que arrebentou a fechadura da porta.
            É difícil descrever aquela cena. Quem estava ali era o último adolescente desaparecido, mas não era ele, estava terrivelmente desfigurado. Metade do seu corpo sofrera mutações e continuava a mudar. Seu braço esquerdo se esticava pouco a pouco, pulsando, e na ponta uma boca com dentes afiados se formava, derramando saliva em abundância. Parte de sua face pendia para o mesmo lado e se fundia ao ombro, fazendo o pescoço desaparecer. A perna esquerda diminuía proporcionalmente ao crescimento do braço e tomava a forma de um tentáculo, não como um polvo, mas como uma enguia úmida e inquieta. Os olhos dele estavam completamente brancos e o nariz desaparecia. Naquela posição macabra que eu não imaginaria em meus piores pesadelos, ele falou:
            – Por favor... me... mate... – disse aquela criatura na minha frente.
            Eu levantei a arma e hesitei. Tentei encontrar forças dentro de mim para evitar que aquele pobre garoto que perdera absolutamente a possibilidade de viver uma vida normal pudesse pelo menos receber a eutanásia o mais rápido possível. Fechei os meus olhos e atirei. Quando abri, eu vi um homem alto de roupas pretas com uma cicatriz no rosto com a bala que eu havia acabo de atirar na ponta de seus dedos. Eu estava atônito com cena incabível e ele começou a falar:
            – Este não, este eu vou levar... – era a mesma voz que havia falado com Edward no escuro.
            – Dark dragon... – eu disse.
            Senti o pavor tomar meu corpo, algo que me paralisou inteiramente e aquilo não vinha de mim, vinha dele. Era mal, ruim, maligno, demoníaco, louco... Fiquei completamente apavorado, molhando minhas calças. Ele colocou algo na boca do garoto e eu desmaiei.
            Acordei vários dias depois no hospital. Por sorte a outra viatura tinha informado corretamente nossa localização e eu fui encontrado com vida naquele lugar ermo. O psiquiatra foi me visitar diversas vezes. Não, não era um psicólogo, tive certeza que era um psiquiatra com tantos remédios que ele indicava para qualquer sintoma que viesse a ter. O caso foi abafado por causa da criatura bizarra que eu havia matado a tiros e concluíram que nada deveria vir a público. Fui suspenso do meu cargo e aposentado da polícia.
            Hoje eu consegui ir pra casa e encontrei no meu quarto a cópia que eu havia feito da pasta com os documentos do último sequestrado. Não havia muito além dos dados pessoais: Dimitri, quinze anos, habilidade em informática.
            Coloquei a pasta no criado-mudo e me deitei depois de relê-la, pensando no que o departamento disse aos pais dele. Só havia algo que me faltava saber... Olhei para meu computador e comecei a escrever esta carta. Eu entrei no site darkdragon.com com o navegador certo e com a senha que os técnicos conseguiram. Peguei a fórmula e preparei ela como deveria. Pus os fones de ouvido e agora vou saber o que faltava no vídeo que Edward não sabia...

...

            Esta carta e a imagem abaixo estavam no disco-rígido de um notebook, encontrado na casa incendiada de um ex-policial considerado demente. Ele foi encontrado carbonizado numa posição estranha, colocando as mãos dentro da própria barriga aberta por um canivete deixado ao seu lado. Sem solução, o caso foi arquivado.

...

Maldição N.º04


MALDIÇÃO N.°04



 

“Socorro... Aquela coisa... Ela está... Me observando!”

...
            Meu nome é David, este é um relato sobre a criatura que me assombra. Eu não deveria acreditar em superstições, mas foi justamente por não acreditar que acabei me envolvendo nisso.
            Há alguns dias, um amigo meu contou a lenda de uma criatura comprida que vem aterrorizando uma cidade próxima a Dallas, no Texas. É claro que eu não acreditei! Era algo simples demais, ingênuo demais pra ser verdade. “Uma criatura tão longa que não se pode ver a cabeça pela janela e com braços tão compridos que tocam o chão”. Eu ri da cara dele, desmenti-o completamente. Lhe disse que, se fosse verdade, deveria haver alguma prova ou algo que pudesse levar até a criatura e averiguar a sua existência. Por causa dos meus insultos e tiração de sarro, ele me desafiou a ir comigo até a região onde se estava a criatura e encontrá-la. Eu estava certo, eu não poderia fugir daquilo... Maldita hora em que meu orgulho falou mais alto!
            Viajamos durante o final de semana até o local e acampamos. Nós dois fomos escoteiros durante a juventude e adoramos acampar. Meu amigo, no entanto, não conseguia dormir no meio daquela floresta. Ele tremia e sussurrava palavras que meu sono não me deixava ouvir. Antes de entrarmos na floresta, nós paramos numa loja de conveniência a beira da estrada. O lugar era um porcaria, pelo menos eu pude colocar mais gasolina no carro e garantir a viagem de volta. Nicolas, por outro lado, entrou na loja para pagar a conta e saiu completamente branco. Perguntei-lhe o que houve, ele não respondeu. Na verdade, ele ficou quieto todo o resto da viagem.
            Pela manhã, ouvimos alguns barulhos. Ouvi perfeitamente bem quando jogaram pedras na barraca. Nicolas saiu e ficou do lado de fora. As pedras continuaram a serem jogadas mesmo com ele ali. Chamei por ele e não tive resposta. Gritei e nada. Saí eu mesmo para que as pedras parassem e encontrei Nicolas completamente estático, olhando para as árvores. Precisei sacudi-lo para que me falasse alguma coisa. Ele se sentou num baquinho de montar e disse: “Está tudo bem”. Seus olhos estavam vagos e sua voz muito fraca. Estranhei vê-lo daquela forma, mas ignorei. Procurei pelas pedras que foram jogadas e o que encontrei me surpreendeu muito. Eram ossos ou corpos de animais completamente secos e envelhecidos. Me virei e encontrei Nicolas escrevendo algo no chão: “OUT” (saiam). Tirei o galho da mão dele:
            – Então é isso! Como foi que conseguiu jogar aqueles ossos na barraca? Ahn? Diga!
            – Que ossos?
            – Como que ossos? Os que estavam sendo jogados há alguns minutos na barraca! – ele me fitou como se tentasse dizer alguma coisa e respondeu baixinho.
            – Não fui eu...
            A raiva me subiu e discuti com ele. Como ele pode me levar até aquele lugar e tentar me assustar de forma tão estúpida? Andei pela floresta, seguindo um pequeno rio, precisava tomar um pouco de ar e tirar aquela traição da cabeça. Sou muito esquentado e não admito que façam esse tipo de coisa comigo. Mesmo assim, Nicolas é meu amigo, meu melhor amigo, eu não iria bater nele e a melhor forma para evitar isso era me distanciar dele naquele momento. Caminhei durante algumas horas, observando a natureza, fazia tempo que eu não me sentia daquela forma, abençoado por estar no seio da mãe natureza, numa floresta intocada pelo homem... Meu espírito silenciou por completo. Atrás de algumas árvores retorcidas, encontrei mais ossos e tremi. Aquilo só poderia ser brincadeira, não era? Ele sabia que me irritaria, que eu caminharia pela floresta e que de um jeito ou de outro encontraria aquele amontoado de ossos, não era? Como pude ter duvidado?!
            Voltei correndo para o acampamento, sentia calafrios, algo estava me observando. Gritei por Nicolas para que ele me respondesse. E ouvi-o gritar... desesperado! “DAVID, SOCORRO!” Acelerei o passo e finalmente saí na clareira, encontrando o acampamento completamente destruído, com o rastro de um corpo sendo arrastado até o rio. Entrei no carro e dirigi sem parar... Aquela coisa estava me observando, ela estava bem atrás de mim...
            Não sei como, mas consegui despistar aquela coisa. Meu deus! Eu deixei o meu amigo, meu melhor amigo com aquela coisa! Perdoe-me Nicolas... Não pode ser! Eu vi! Eu o vi na estrada pedindo carona! Preciso me acalmar e continuar dirigindo...
Foi então que eu me lembrei, de um dia há muito tempo. Durante o acampamento, eu já tinha visto aquela coisa... Ela estava lá o tempo todo, eu havia dito ao responsável que tinha alguém nos observando na floresta, ele pegou o binóculo e viu algo se movendo para dentro da floresta. Ele nunca voltou. Éramos um grupo de nove ou dez, e uma semana depois, os policiais nos encontraram – apenas eu e Nicolas. Como pude ter esquecido daquilo?! Não, eu sei como... A cabeça seca do escoteiro mais velho estava dentro do posto de gasolina. Ele esteve esperando esse tempo todo, estava atormentando o Nicolas e me fazendo esquecer o que eu tinha visto...
Cheguei em casa. Minhas mãos estão tremendo, não sei se consigo terminar de escrever isso... Por deus! Ele está no corredor me esperando! Consigo sentir os seus dedos compridos se aproximando de mim, tentando me tocar o tempo todo. Ele está aqui e sabe que se eu tentar olhá-lo diretamente ele irá me levar. O que eu faço? Estou tremendo... A campainha?
Voltei. Era um homem alto, vestido de preto, com uma cicatriz no rosto. Eu não lembro o que ele me disse. Eu preciso me lembrar. O que eu estou escrevendo? Não, por deus, Nicolas! Me desculpe amigo. Tire isso daqui! Ele colocou a cabeça morta do Nicolas no meu ombro. Não tem olhos... O homem alto o pegou... edeejefvgkjmeo Não leia ......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ele está atrás de você.

Maldição N.º03


MALDIÇÃO N.°03


 

            Convidei-a para comer uma pasta num pequeno restaurante e trattoria a beira das águas aqui em Veneza. Pedi especialmente para nós uma macarronada, como em a Dama e o Vagabundo, acompanhado de um saboroso vinho italiano. A noite estava perfeita... Até a hora que eu levei um tiro. Naquele momento eu não acreditei como eu sangrava e morria tão simplesmente. Um tiro levava a minha vida embora e... Oh! Um tiro da mulher que eu amo!
            Eu não entendo bem o que está acontecendo, nem o porquê dela ter tentado me matar. Sei apenas que agora estou eu boiando nas águas de Veneza, vendo as ondas dos barcos se formando sobre mim, não sinto frio, nem calor... Meu corpo está dormente, não consigo me mexer. Há um barco por perto, alguém me encontrou... Era um homem alto de preto com uma cicatriz no rosto. Ele fez alguma coisa...
            Algumas horas depois, sozinho, eu consegui me levantar do barco em que me deixaram. Minhas juntas estavam rijas e eu tinha dificuldade em me locomover. Olhei para minhas mãos, a pele permanecia escura e sem vida, meu tato não voltara completamente e meu cheiro estava pútrido e nojento. Saí andando pelo caminho próximo de onde o barco estava atracado, mesmo com dificuldade. Meu peito doía, levantei a blusa e vi o buraco fino daquele maldito tiro de onde escorria um líquido negro e mal cheiroso.
            Escorei-me numa estátua, tentei pensar em qualquer coisa, em qualquer um. Somente ela me vinha nos pensamentos... Eu ainda a amo! Eu preciso ir vê-la! Andei um pouco e avistei a estação de trem do outro lado. Estava numa praça cheia de árvores, encostei-me em uma delas e adormeci. Ao raiar do novo dia, acordei sentindo algo estranho no ar. Não havia sons vindos da estação, ou das conversas das pessoas ou dos barcos navegando. Diversas nuvens de fumaça se erguiam da minha bela cidade. O que terá acontecido? Caminhei por onde pude até chegar ao extremo da praça e fiquei observando o canal. Tinha dúvidas em minha mente, tentei me lembrar o que eu havia feito de errado, se em algum momento havia decepcionado minha amada. Eu... Eu tenho certeza de que fiz tudo certo. Estávamos namorando a cerca de dois meses, eu a encontrei próximo do hotel em que estava hospedada. Seus cabelos estavam soltos e sedosos, usava um vestido comum em tons de vermelho e seu corpo era uma escultura iluminista que se aproximava da perfeição. Não... Era ‘A’ perfeição! Ao menos para mim, que fiquei extasiado com aquela visão simples e esplêndida a poucos metros de mim, e que se dirigira ao meu encontro. Eu não esperava por aquilo, fiquei completamente sem reação:
            – Olá? – ela me perguntou.
            – O... Olá! – respondi com falta de jeito.
            – Poderia me dizer como eu consigo uma balsa para conhecer Veneza? Adoraria encontrar alguém que me levasse por aí...
            – Eu posso ajudá-la...
            – Pode? – havia demorado em responder.
            – Por um acaso eu sou gondoleiro nas horas vagas... – era uma grande mentira.
            – Que ótimo! Quanto você vai me cobrar? Planejo passar longos dias visitando as belíssimas trattorias de vinhos que encontrar.
            – Se a moça me permitir. Posso te levar em alguns lugares que não lhe cobrarei absolutamente nada por isso. Ter uma grande família ajuda nessas horas e só preciso que fale bem deles para os seus amigos...
            – Que maravilha! E por onde começamos?
            – Eh... Agora?
            – Sim, o quanto antes. Estou ansiosa para conhecer Veneza e suspirar por entre as suas passagens tão românticas.
            – Espere só um momento que vou pegar uma gôndola.
            – Claro. Estarei esperando.
            “E agora?” pensei comigo mesmo, “Tenho de me encontrar com a minha namorada!” Possivelmente tenha sido isso. Eu não queria destratar a moça que pedi em namoro a mais de um ano e liguei para ela. Acabei discutindo com ela e terminei o namoro sem mais nem menos. Eu tomei cuidado para não estar em dois namoros ao mesmo tempo e tive de terminar daquela maneira brusca. Ainda assim, não entendo porque ela atirou em mim. E as outras pessoas que nos viram ali? O chefe de cozinha? Os garçons? Eles são da minha família! O que está acontecendo?
Uma balsa veio boiando pelo canal até onde eu estava, como que adivinhando o meu desejo. Meio sem jeito, consegui subir, não se sem antes me molhar novamente. Tentei remar com as mãos, mas a corrente se encarregou de me levar pelo canal até a fração comunal em que eu e a minha família residimos, a Dorsoduro.
Lembro-me daquela viagem que tive com ela, Úrsula era seu nome. Peguei emprestada a gôndola com meu irmão. Na verdade, peguei sem que ele soubesse. Quando lhe contasse sobre a moça de certo que relevaria a situação. Ou teria sido isso? Não, estou pensando besteiras... Aquele dia foi maravilhoso, cada gesto dela parecia infinitamente perfeito, o sorriso, o balançar de cabelo, a maneira como tocou a minha mão quando uma farpa de madeira entrou no meu dedo. Segurei-a pelo queixo e lhe dei um beijo. Nosso primeiro beijo! Era como se milhões de fogos de artifícios tivessem explodido ao mesmo tempo sobre os canais de toda a Veneza!
Continuava lentamente pelo canal, logo a balsa encontraria sozinha a margem que eu procurava para voltar para casa. Se minha amada não estivesse comigo, ao menos poderia ver o rosto de minha família ao me rever vivo, novamente...
            Devo ter demorado uma hora, mas finalmente consegui alcançar a entrada e por pouco não a perdi. Minha respiração estava estranha, queria vomitar algo que se agitava no meu estômago e ele nada de sair. Continuei arfando mesmo, da mesma forma que permaneci ao lado de Úrsula quando ficou terrivelmente gripada depois de cair nas águas da minha cidade. Ela ficara febril durante dias e eu permaneci ali, ao seu lado. O médico receitara antibióticos fortes e descanso contínuo. Eu poderia ter saído, tomado um ar, ido a praça em que estava a pouco, a Giardini Papadopoli na fração Santa Croce ou ir para o lado norte de Veneza, no extremo de Connaregio, onde costumo me divertir com meus amigos. Não... Eu fiquei ali, ao lado dela, garantindo que pudesse ir ao banheiro, tomar um pouco de água ou comer um pouco. Talvez tenha sido a aquela queda que fez isso com ela... Não sei.
            Cheguei em casa, estou diante da porta. Ninguém por perto, nenhuma alma viva reclamando do vizinho barulhento, nenhuma risada aberta, nem o adorável cheiro de comida sendo preparada. Nada. Está muito silencioso, silencioso demais! Entro. Ninguém em casa. Suba as escadas, meu estômago continua me incomodando. A coisa quer sair e não sai! Na parte debaixo, alguém entra. Fico aliviado e torno a descer. A pessoa estava com pressa e foi direto para a cozinha, além da escada. Ela parece pegar algo na mesa, confere e guarda na bolsa. Ela vai em direção a porta e me encontra:
            – U... Úrsula? – minha voz estava embargada e quase não pronuncio seu belo nome direito.
            – Remi? Você está, você está... – seu rosto se contorceu numa expressão de medo e pânico.
            – E... E... Eu... – estava difícil falar com a dor no estômago. – Te amo...
            Ela parou um instante, continuava demonstrando que estava horrorizada, porém, queria ouvir o que tinha a dizer.
            – Por... Por quê? Aaaaah! – gritei de dor, caindo de joelhos.
            – ... – ela permaneceu indiferente.
            Abraçando minha barriga, tentei continuar:
            – Me diga... Por quê?
            Ela tirou a mesma arma que usou para atirar em mim da bolsa e a apontou na minha direção:
            – ME DIGA! – implorei.
            – Quer mesmo saber, morto-vivo? Eu fui muito bem paga! Hahahah... – ela ria da minha cara. – E agora seu corpo podre infectou toda a Veneza, disseminando uma doença contagiosa que se alastrou e matou todo mundo. O governo tratou de cuidar dos corpos e agora a sua bela cidade não passa de um sítio de quarentena. E, já que está aqui, depois de um mês no fundo dos canais, posso te destruir de uma vez por todas seu infeliz desgraçado!
            – ...?!
            E atirou, acertando meu olho direito, jogando pedaços do meu cérebro por todos os lados. Com um baque no chão, meu corpo se encolhia por causa do frio como uma aranha morta. Ela passa por cima do meu corpo e me chuta nas bolas. Porém, antes que pudesse continuar, segurei sua perna:
            – POR QUÊ?! – gritei cuspindo uma gosma negra em seu rosto.
            – Me largue coisa nojenta! Solte-me! – ela tentou atirar de novo, mas acabou caindo e perdendo a arma.
            – EU... TE... AMO... – a coisa no meu estômago finalmente saiu pela minha boca. Uma solitária enorme com dentes de enguia pulou na sua perna feito uma cobra, logo acima de onde eu estava segurando.
            Ela se debatia com força e, aos poucos, foi parando, com seu sangue sendo completamente drenado. Levantei-me, a solitária a largou, voltando para o meu estômago e pus minha morta amada nos braços. Esfreguei o meu rosto no dela e a minha pele macia se desmanchou sobre a dela. Seu corpo se mantinha quente e aliviava um pouco as minhas dores. Encarei seus olhos azuis e olhei sua boca maravilhosa. Dei-lhe um beijo de despedida e me senti diferente. Estava com fome, com muita fome. A solitária se agitava na minha barriga com movimentos rápidos. Eu olhei novamente para ela e não via mais a mulher que amava. Seus lábios pareciam tão... apetitosos! Arranquei-os numa única mordida. A fome não passava... Devorei seu nariz, sua bochecha, suas orelhas... Não fazia diferença o que eu engolia, eu queria mais, mais! Passei para o resto do corpo, arrancando seu vestido, o mesmo que eu havia lhe dado com tanto amor e carinho. Meti os dedos no seu seio volumoso e com violência arranquei o pedaço de carne, metendo-o inteiro na boca. Não engasguei, pelo contrário, ele deslizava melhor. Mesmo assim, prevalecia a fome, e não mais tomava cuidado, metia os dentes, os meus vários dentes, os meus novos vários dentes! Foi um banquete e tanto!
            Terminado com toda a carne saborosa daquela puta, lambi os beiços. Atrás de mim a porta se abre e vejo o mesmo homem alto, de vestes pretas com uma cicatriz no rosto:
            – Você vem comigo...
            A qual retribuí com satisfação:
            – Me alimente...
...

17 de janeiro de 2013

Maldição N.º02


MALDIÇÃO N.º02


 

            Coisas ruins têm acontecido... Moro nesta pequena casa em Londres desde que nasci e há um mês meus pais se mudaram, me deixando só, sozinho, cuidando de mim mesmo. Já sou adulto e sei me cuidar muito bem. De fato, o problema é não ter com quem conversar. E para piorar tudo, um assassino tem rondado a vizinhança entrando nas casas a noite para cometer os seus crimes...
            O primeiro assassinato aconteceu com um senhor de idade no final da rua. Ele era rabugento e sempre brigava com as crianças que passavam pela rua. Inclusive eu! Quando era pequeno, ao chutar a bola na direção errada, que foi parar justamente na calçada do velho, levei um chute do desgraçado na barriga. Fui para casa chorando e minha mãe apenas disse: “Perdoe aquele velho, ele não sabe o que faz”. Senti-me vingado quando soube da morte dele. Ouvi pelas conversas da rua que ele foi esfaqueado e ficara com o rosto todo desfigurado.
            A segunda morte ocorreu alguns dias depois, com a vizinha fofoqueira da rua. Aparentemente ela viu quando alguém estranho estava saindo da casa do primeiro morto e foi sentenciada como a próxima vítima. Ela testemunhou para a polícia que o sujeito tinha cerca de um metro e oitenta, e usava uma blusa branca que ficou manchada com o sangue. Por que ela foi dizer aquilo?! Agora ela está morta e, pelo que ouvi dizer, a língua não foi encontrada...
            Apesar disso, infeliz mesmo fora a terceira vítima: uma criança com cerca de oito anos que eu mesmo havia visto ainda com vida poucas horas antes da fatídica noite. O assassino voltou a entrar escondido na casa, entrou no quarto da criança e novamente usou uma faca para suas insanidades. O menino recebeu facadas no peito, no pescoço e, o pior de tudo, teve seus olhos arrancados. O cachorro, enquanto isso, não latiu uma única vez. Depois que os pais encontraram o filho naquele estado e as viaturas da polícia tomaram novamente conta da rua inteira, o policial questionou o porquê do cachorro não ter latido. Foram ver e o animal não saia de sua pequena casinha no canto do miúdo quintal... ele estava morto também. Não por facadas, mas por ter comido um pedaço de carne envenenado.
            A policia estava completamente estarrecida depois do terceiro assassinato. Os policiais não paravam de tocar a campainha das casas e perguntando a todos os moradores sobre qualquer coisa relacionada àquelas pessoas. Além de morarem no mesmo bairro, não foi encontrado nenhum indício do que poderia conectar os assassinatos em série. Chegaram até bater na minha porta. Naquele momento eu não estava e não pude relatar nada que fosse interessante ao caso. Porém, pude ver quando tocaram a campainha do meu vizinho e ele a abriu, meio receoso do que poderia dizer, deixando a porta entreaberta. Meu vizinho contou-lhes alguma coisa sobre a noite referente ao assassinato do menino, que vira alguém perambulando nas ruas naquele mesmo horário, vestindo uma blusa branca e que o sujeito batera em uma lata de lixo que fora encontrada do mesmo jeito, derrubada, com todo o lixo espalhado. Eles levaram a lata inteira para análise. Talvez um pouco exagerado, eu diria, pois não foi o suficiente para deter a próxima morte...
            Para minha surpresa... Preciso respirar um pouco agora, isso é meio difícil de dizer. Para a minha surpresa, o quarto assassinado foi o meu vizinho. Isso estava começando a me preocupar, se o meu vizinho foi morto porque o assassino sabia que ele havia dito algo sobre aquela lata de lixo que fora exageradamente analisada, o que poderia acontecer comigo, então? Passei várias noites em claro depois daquilo. Assisti pela janela o corpo sendo retirado de dentro de um saco, com o legista perguntando sobre a mão daquele senhor e o policial respondendo que ninguém a encontrara. Aquela mesma mão que ficara para fora da porta, com os dedos segurando aquela que deveria ser sua única proteção... E o mais interessante estaria por vir! A porta não fora tocada, não havia sinais de arrombamento nela e em nenhum outro lugar da casa. Tentaram achar alguma digital, nada! Nenhuma pista sobre o assassino.
            Três dias depois, sem dormir praticamente nada, fiquei tomando café até que o dia amanhecesse. Se eu estiver acordado, pelo menos eu posso me defender ou chamar a policia... Alguém bateu na minha porta! Pulei da minha cadeira, fazendo barulho, minhas mãos tremiam. Tentei me acalmar, respirei fundo, crente que se fosse o assassino ele não bateria na porta... ou bateria? Bateram novamente na minha porta e disseram: “É a policia, abra a porta”! Olhei pelo olho mágico e constatei o uniforme. Abri a porta, deixando o ferrolho passado:
            – Boa noite... – disse o guarda.
            – Boa noite. – respondi com certa timidez e fraqueza de corpo. O guarda me encarou, me estranhando.
            – Estamos fazendo a ronda noturna, notou alguém estranho passando pela rua?
            – Nã... não... Desculpe, ainda não vi ninguém na rua que não fosse um policial. Acredito que todos os moradores já sabem do assassino serial...
            – Obrigado pela informação... – ele pensou em se virar, mas continuou na frente da minha porta. – Posso te perguntar uma coisa?
            – Po... pode... – minha voz saiu fina, quase não saindo.
            – Porque está usando óculos escuros de noite?
            – Minhas olheiras... Faz dias que não durmo com as noticias que não param de chegar... Meus olhos não param de doer. – abaixei os óculos um pouco para mostrar ao guarda que meu estado era péssimo.
            – OK. A policia de Londres lhe promete que terá uma boa noite de sono assim que pegarmos o assassino... – o policial fez uma careta. – Que cheiro é esse?
            – Que vergonha... – olhei para trás e vi uma bagunça horrorosa. – Faz um mês que estou morando sozinho, é a primeira vez que vivo sem meus pais... Sabe como é? Sou solteiro, desempregado, sem ninguém para lavar a minha roupa ou limpar a casa... Estou tentando me virar e...
            – Tudo bem se eu entrar?
            – Cl... Claro! Só não repare na bagunça... – respirei fundo e abri a porta para o desconhecido.
            O policial acenou para o parceiro que estava no carro e entrou. Eu estava completamente envergonhado com ele vendo a imundície que a casa estava. Ele vasculhou tudo, olhou de um lado a outro e saiu.
            – Tudo certo por aqui... Já estou indo. Tente arrumar a casa de vez em quando. Novamente, obrigado...
            – De nada...
            – Cuidado, se vir alguém, é só ligar...
            – Sim...
            Assim que fechei a porta me senti aliviado. Policiais são meio estranhos, imponentes, dão medo em todo mundo. Acredito que eu não deva ser o único que dormiria bem vendo que sua casa está bem protegida. Acho que foi o que aconteceu comigo, me senti tão bem que dormi como um neném, sem acordar uma única vez!
            Quando liguei a televisão, o pavor me tomou de novo: “Policiais assassinados no meio da noite”... Meu coração disparou, será que poderia ser? Ou será que não? A reportagem continuou e mostrou a foto dos dois policiais. Sim, era ele, o mesmo policial que viera até a minha casa! Ele e o parceiro estavam mortos, assassinados dentro da própria viatura depois de terem passado na minha casa! Por deus, o que será de mim agora?! Levantei-me, fui até a sala e olhei para a bagunça que permanecia do mesmo jeito:
            – O guarda tinha razão, preciso limpar isso aqui... – tirei tudo o que estava jogado no chão, coloquei no lixo a comida estragada e pus os móveis no lugar.
            Debaixo do sofá tinha uma peça de roupa:
            – Nossa! Que cheiro! Preciso lavar a minha blusa!
            Coloquei-a na lavadora e antes que eu pudesse colocar o sabão, tocaram a campainha. Fui atender, pelo olho mágico vi um homem alto, vestido de preto:
            – Pois, não? – entreabri a porta, da mesma forma que fiz com o guarda.
            – Eu estava te procurando...
            – ...! – fechei a porta na cara dele.
            – Não adianta fugir de mim... – ele já estava na minha frente. – Você vem comigo!

            Tentei gritar, mas tudo o que vi foi seu sorriso se abrindo mais que o meu...
...
 

Maldição N.º01


MALDIÇÃO N.º 01


 

            – Não! Eu não quero ver! Faça isso parar! Eu não quero ver! Pelo amor de Deus! Faça isso parar! – aquele pobre homem não parava de chorar, olhando constantemente para o vazio.

            – Você verá! E vai me dizer tudo o que você enxergar! – o outro que o acompanhava pelos becos da cidade, apertava-lhe o braço com força, machucando-o.

            – Por deus! O que foi que eu fiz!

...

            “Olá... Meu nome e Jonnatan, sou nova-iorquino, tenho 23 anos e sempre vivi na grande cidade dos sonhos. Eu vivo como mendigo por causa das drogas, é verdade, mas, por favor, ouçam o que eu vou dizer: não falem com estranhos, jamais! Principalmente se ele tiver uma estrela vermelha em algum lugar do corpo ou na roupa. Na época eu não sabia que isso poderia ser perigoso...”

            “ELE me parecia um cara normal, se vestia de preto, tinha um sorriso amigável e me deu algumas drogas... Ah! Como me arrependo disso! Meu vício me levou a essa loucura... Eu morava numa casa abandonada com outros drogados, já deveria fazer um ano que eu tinha fugido de casa e deixado minha família. Ele, como outros que aparecem por lá, tentam oferecer, ou uma saída para nós, ou tentam nos deixar mais drogados ainda. Estranhamente, ele me ofereceu os dois. Como de costume, eu peguei as drogas e fumei tudo, sem me importar com o que ele me pediria em troca.”

            “ME dei a possibilidade de dúvida sem saber o que estava fazendo e, durante mais ou menos um mês, ele me deu tudo o que eu precisava, diminuindo aos poucos para que eu não tivesse uma overdose. Minhas mãos tremiam muito enquanto eu esperava por ele. A casa foi ficando vazia e eu era o último que restava. Estava sozinho, esperando pela última dose, por aquela miserável dose! Ele estava ali, na porta...”

            “OBRIGOU-me a me levantar e fiquei de pé. Lhe exigi que me desse logo a droga e me entregou um papelzinho embrulhado. Quando li o que estava escrito comecei a gritar com ele: ‘Como assim acabou? Eu quero mais!’ Ele sorriu e passou a mão na minha cabeça. Bati nela com raiva. ‘Eu tenho mais, mas você tem que vir comigo, é só algumas quadras daqui...’ Ele me virou as costas e saiu. Minhas mãos voltaram a tremer, estava passando mal por causa do vício e saí atrás dele. Eu não deveria ter feito isso...”

            “A correr, eu estava, quase perdendo ele de vista. Minhas pernas, que estavam dormentes por causa da posição constante em que me mantinha, doíam, no entanto, aquela emoção que me tomava para obter mais drogas me fazia correr como eu nunca tinha feito antes. Passamos por algumas avenidas... No meio das ruas eu vi a minha irmã, ela me olhou com pena e ficou me encarando. Retribuí-lhe olhando-a com ódio. Ela fez menção de dizer alguma coisa e hesitou. Eu já sabia a resposta, voltei o olhar para a multidão e encontrei novamente aquele homem de preto com a cicatriz no rosto. Voltei a correr, deixando ela para trás. Querida irmã, se soubesse realmente como eu estou agora, será que você poderia me perdoar de novo?”

            “ESCREVER isso não é fácil... Vou tentar me expressar da melhor forma possível. Eu entrei num conjunto habitacional marcado para ser demolido no dia seguinte. O prédio era velho, a infiltração, umidade e mofo tomaram conta do lugar. Senti um arrepio quando pus o primeiro pé ali, sentia como se milhares de pessoas gritassem para eu ir embora. Eu sentia presenças conhecidas me implorando para que eu desse meia-volta. Minhas mãos tremeram, elas não paravam de tremer. Eu estava sem ar, sentindo-me agoniado para obter mais drogas. Suava frio e entrei. O caminho era longo e escuro. Do lado de fora já começava a anoitecer e o vento frio soprava, gelando meus pés sujos e descalços. No fim do corredor, uma luz meio azulada brilhava. Entrei naquela sala, ali estava ele e pude sentir o maravilhoso aroma das drogas que me entorpeciam. Ele estava de costas e se virou, estava usando uma máscara de gás. Não havia percebido antes, minha visão estava ficando turva e, de repente, perdi os sentidos. Eu estava ali, preso na armadilha dele, sem conseguir me mexer, completamente acordado...”

            “ISSO, eu estava ali, paralisado, de olhos abertos sem conseguir piscar. Ele me carregou até uma cama de hospital que estava ali e tirou a minha roupa, me deu um banho, me secou e me pôs em outra cama diferente. Deixou-me de bruços e encaixou a minha cabeça em um suporte. Eu queria chorar, eu não podia ver o que ele estava fazendo. Eu o ouvi raspando algo e vi meus cabelos caindo. Queria gritar, aquilo não podia estar acontecendo. Ele ligou uma furadeira, ou algo parecido, e abriu meu crânio, tive certeza quando ele colocou a parte de cima da minha cabeça sobre uma mesinha. Eu não podia crer, o que ele queria comigo?! O que ele queria com meu cérebro?!”

            “SOCORRO, eu queria gritar e apaguei, por deus, aquilo foi um alívio para mim. Infelizmente, a alegria durou pouco. Eu não estava dormindo, eu estava cego! Mãe, pai, irmã... Me perdoem pelos pecados que cometi, isso me levou as mãos de um maníaco! Como pude me deixar levar pela merda dessas drogas! Eu só queria fugir de casa, fugir do divorcio dos meus pais, das brigas constantes que eu tinha com a minha família. Não era para terminar assim! Devo ter passado horas naquela cama. Quando a dor estava começando a voltar, ele colocava uma máscara no meu rosto me pondo de novo naquele estado de catalepsia induzido. Deus, por que isso pode acontecer?!”

            “ME deixou lá por mais algum tempo. Acredito que ele enfaixou a minha cabeça e o meu rosto. Colocou algo pesado sobre ela e me tirou daquele lugar. Não sabia exatamente o que estava acontecendo, o que dava para saber era que a demolição do prédio começara pouco depois de termos partido, foi o que pude ouvir. O carro rodou por horas e paramos no que percebi depois ser um grande hotel. Passei alguns dias ali, me recuperando. Creio ter estado com uma enfermeira durante esse tempo, a presença daquele homem não estava por perto. Um dia, acordei e me levantei. Tateei as mãos pela parede até encontrar uma cortina que abri. O sol esquentou a minha pele e senti as ataduras. Encontrei o ponto de amarração e comecei a tirá-las. Terminando com a gaze, ainda restava um capacete de chumbo. Quando tirei pude ver a luz... Eu não deveria ter feito isso... Eu não posso mais fazer isso!”

            “AJUDE-me a entender... Eu deveria estar vendo uma maravilhosa paisagem de Nova Iorque e acabei vendo o inferno! Eu vi pessoas sendo atropeladas, prédios explodindo, confusões, brigas assassinatos e, em seguida, tudo estava normal... A enfermeira entrou e pulei em cima dela, enforcando-a sem que ela pudesse falar alguma coisa... Pisquei, a enfermeira entrou e eu joguei o abajur na sua cabeça, fazendo-a sangrar até a morte... Pisquei de novo, a enfermeira tentou entrar e eu bati a porta na cara dela. Ela caiu com o nariz quebrado no chão e não parava de sangrar... Pisquei de novo... Já estava sem fôlego. Olhei ao redor e o ambiente estava normal, nada daquilo havia acontecido. Aliás, eu não ia matar a enfermeira, eu só havia pensado naquilo! Como isso pode acontecer? Me dei conta de que foi a operação que aquele homem fez em mim...

            “POR aquele momento, fiquei olhando a cidade onde eu nasci. Tudo em que eu pensava eu assistia, completamente atônito, tudo o que poderia acontecer era real para mim agora. Olhei para o céu e tentei escapar daquelas atrocidades... Senti a presença daquele homem voltando e, no meio das nuvens, uma sombra negra de uma criatura alada sobrevoou a cidade. Aquele monstro rugiu e a cidade inteira tremeu e se despedaçou, como se uma bomba atômica tivesse sido explodida no centro da maior cidade do mundo... Eu tremi, ele estava atrás de mim.”

            “‘FAVOR... Por favor...’ Minha voz falhava e eu quase não consegui dizer o que queria. ‘Me diga, o que você fez comigo?’ Ele sorriu para mim, como qualquer pessoa alegre e contente, e começou a me dizer coisas que eu não entedia direito. Ele me falava sobre física avançada e sobre neurobiologia, e em como essas duas ciências poderiam ser úteis se alguém conseguisse uni-las. Eu era a cobaia, e a experiência foi um sucesso... Comecei a gritar com ele, tentei socá-lo e ele fugia de mim. Corri atrás dele pelo quarto até me cansar. Senti uma pontada na cabeça e caí no chão. Eu não caí por causa disso, eu sentia o chão inteiro se desmanchar sobre meus pés, o prédio inteiro veio abaixo, litros e litros de sangue caiam sobre mim... No momento seguinte eu estava apenas no chão. Sem conseguir me levantar, vomitando sem parar. Ele me acudiu e pôs o capacete de chumbo na minha cabeça, as visões cessaram um pouco. Na minha cabeça eu vi um gato vermelho passando por entre as minhas pernas e pulei dos braços dele. Ele me perguntou o que era e eu não soube dizer, eu só me lembrava de... Vermelho... O que poderia ser aquilo?”

            “Fui levado dali para um aeroporto, tentei escapar várias vezes, mas sempre que eu precisava tirar o capacete para ver aonde eu ia, o mundo inteiro desabava na minha frente, homens matando homens a sangue frio, mulheres sendo estupradas com violência, cachorros comendo crianças, ratos e baratas comendo pessoas vivas... Eu não conseguia ir longe dele, perto dele as visões diminuíam. Viajamos durante horas para algum lugar desconhecido. Com o capacete eu estava completamente cego da realidade e sem ele, menos ainda. O avião parou em uma região praiana, com nevoeiro forte, tempo completamente nublado. Ele me deixou em uma casinha e fechou a porta. Engoli a seco e tentei ver para onde ele ia. Por um instante vi um píer comprido de madeira com uma espécie de bar no final com um luminoso brilhante: Porto dos Mortos. No momento seguinte, tudo ficou escuro, o lugar todos estava tomado por sombras e nas sombras, milhares de bocas abertas e sorridentes, com dentes brancos e línguas compridas que se agitavam perturbadoramente. Fechei a porta com força e pedi a Deus, se você leu isso, leia de novo, por favor...

...

 

Retorno

Retorno



 
 
            – Sinto falta de ar... Eu estou me sentindo pesado... Não consigo respirar... Está doendo muito... Alguém? Alguém pode me ajudar? Por favor, alguém me salve da escuridão!
            – Você não vai conseguir, é tarde demais... Você matou... Você destruiu... Agora você deve prosseguir com o fardo de tua desgraça... Destrua mais... Mate mais... Faça de tudo para conseguir tê-lo de novo!
            Ele chorava copiosamente. Estava sozinho, triste, perdido. Não havia lugar para onde ir, não havia mais ninguém para amá-lo... Ninguém amaria um pecador como ele, um assassino, um ser louco, um monstro horrendo de feições grosseiras. Sua pela possui várias escamas grossas e negras com veias em tons de vermelho sangue. Sobre o olho esquerdo uma enorme cicatriz que vai de cima abaixo sobre o rosto. Ali não havia globo ocular, perdera numa briga com seu antigo mestre por tê-lo desrespeitado. Alguns fios de cabelo vermelho sobreviviam no topo da cabeça em meio à pele dura formando uma crista. Seu corpo estava completamente machucado, com feridas abertas que sangravam abundantemente. Estava quente e, de repente, estava frio, mudando de novo em seguida. Ele vivia um inferno que só ele entendia como era ruim. A sua desgraça? Ter vivido!
            – Eu tive algo um dia, algo que amei e que não suportaria perder de novo. Eu não posso, eu não consigo...
            – Vá! Procure pelo que perdeu e encontre! E destrua tudo em seu caminho, destrua todos em seu caminho... Eles não se importam com você, eles não se importam com a sua dor... Você estaria passando fome por causa deles... Você seria pobre vivendo no meio da rua! Estaria sujo, fedendo, não teria dignidade nenhuma! Você é uma desgraça! Você não vale nada! Vá! Destrua tudo! Destrua todos! Não deixe que aqueles miseráveis existam enquanto você sofre por causa deles!
            – O que eu devo fazer?
            – Procure o que eles te tiraram... Arranque de suas mãos o que eles te roubaram... Faça isso e devore, devore os dedos, os braços e as cabeças deles! Sim, as cabeças! Arranque-lhes as cabeças! Eles devem pagar por terem te roubado aquilo que você tinha de mais precioso! Faça...
            – Para onde eu vou?
            – Para o planeta Terra!
            Aquele corpo rochoso que pairava inerte no espaço começou a se mover e a acelerar. Passou por galáxias de várias formas, tipos e tamanhos. Entrou na Via Láctea e tomou o curso para o sistema solar. Destruiu alguns asteróides com violência e, num feixe de luz, adentrou a atmosfera do planeta azul. O impacto foi terrível, causando terremotos e formando uma imensa cratera no solo.
Todas as autoridades científicas do mundo estavam em polvorosa, assustadas com o aparecimento repentino de algo que no dia anterior não aparecia nas imagens de satélite. A discussão era grande, poderia realmente haver alguns corpos espaciais que poderiam aparecer repentinamente e destruir todo o planeta? A vida poderia acabar de um dia para o outro? Não havia respostas concretas, a velha desculpa que adia a importância do que está sendo feito hoje foi usada e tudo se acalmou novamente – mantendo-se a desconfiança que poucos insistem em sustentar.
Pesquisadores se dirigiram para o local da queda, um lugar de difícil acesso, diga-se de passagem, recheado de superstições exageradas e nada plausíveis que, por falta de verba e por ser um local inóspito, ninguém se atrevia a desvendar seus segredos. Os carros demoraram algumas horas para chegar, tendo sido anteriormente levados de helicóptero até o local mais próximo. Era como se o espaço fosse maior quando percorrido...
Na cratera, uma casca oca que ainda liberava alguma fumaça:
– Não pode ser! – disse o especialista
– Por quê? Algum problema? – perguntou o estagiário que estava junto com ele para carregar os equipamentos.
– Para um meteoro se quebrar assim, de forma natural, ele teria que já estar oco... No espaço!
– Como assim?
– Ele deveria ter se partido durante a queda... Essa crosta se quebrou agora! – ele pediu algum instrumento ao ajudante enquanto olhava absorto para a formação rochosa desconhecida. – Não é esse que eu quer... quero?
Ao lado dele estava alguém diferente, vestido com as mesmas roupas do estagiário. Seu sorriso era largo, maior do que poderia caber numa boca comum e seus olhos estavam arregalados.
– Onde está Julian? – o estranho abriu a boca, mostrando os dentes.
– Ele teve de sair...
– O quê? Não... Não pode ser... Por Deus!
– Sim... – ele abriu a boca e esticou a longa língua com um pedaço de orelha com um brinco familiar ao pesquisador. Engoliu tudo em seguida, voltando a sorrir. – Você, ateu, não deveria falar o nome do criador em vão! Justo você, que tenta provar a todo custo que tudo isso que você está vendo ao seu redor, não foi feito por uma mente superior, a qual você nunca irá entender o sentido de seus atos. Você não merece existir...
O estranho pegou em seu ombro e o braço inteiro veio ao chão.
– AAAAAAAAAAHHHHHHHHHH! – o pesquisador olhava atônito, no centro daquela mão, havia outra boca. Encurralado contra o meteorito, aquela nova língua da mão lambeu o rosto do pesquisador, queimando profundamente sua pele.
O pesquisador correu por onde pode, procurando aqueles que o acompanharam permeando a forte neblina. O sangue jorrava do braço amputado e o ferimento no rosto ardia. Escorreu em algum lugar e, por falta de sustentação devido à saliva que continuava a corroer a pele, o olho saiu de sua órbita pendendo no ar.
– SOCORRO! – neblina por todos os lados, ninguém aparecia.
Olhou para as suas pernas e encontrou um braço com a farda da operação especial que lhe trouxera para aquele lugar... não havia corpo.
– O carro! Onde está o carro?!
– Está na minha barriga... – o estranho segurou o seu olho solto e o arrancou.
– AAAHHH! – ele choramingava e arfava ao mesmo tempo. – Me deixe em paz? Vá embora! Eu não quero morr...
– Sabe, eu apenas estou com fome... – no momento seguinte, não havia mais corpo, nem carne, nem ossos. O estranho lambeu os lábios com a língua e respirou fundo. – Já estou satisfeito, já posso ir para lá...
Com o corpo feito em fumaça, ele sumiu na neblina e surgiu novamente em outro lugar, um lugar que nenhum humano jamais conseguiu sair. Era uma praia localizada na Rússia, no litoral entre a parte européia e asiática.  Havia som de mar, havia areia, havia um píer de barcos sem barco nenhum. Somente ao longe sobrevivia um navio velho encalhado. Os mares estavam revoltos, o tempo era sempre escuro. Naquele território curiosamente havia dias em que a noite imperava por completo e poderia permanecer daquele jeito indeterminadamente.
Era sombrio estar ali, num porto amaldiçoado. Sim, amaldiçoado! O infortúnio imperava ali. As construções em plena decomposição se mantinham congeladas no tempo, tempo este que era vindouro e prospero. Um aventureiro havia descoberto aquele lugar e se estabeleceu ali, outros vieram com ele e uma pequena cidade se formou. Eles enriqueceram e eram felizes com suas famílias... até o dia em que a garrafa maldita havia chegado. Ela estava fechada e muitos tentaram abri-la, sem nenhum sucesso.  A discórdia súbita veio, todos queriam aquela garrafa, mesmo sem saber por que. Eles brigaram, mataram uns aos outros e logo não sobrou ninguém. A garrafa se abriu sozinha e sugou seus corpos para dentro dela. No rótulo apagado, estavam escritas duas palavras. A primeira podia ainda ser lida claramente “Angel’s” e a segunda não era possível entender.
O estranho aparecera justamente ali. A semelhança com sua própria força demoníaca era incrível, se sentia como se estivesse em casa. A única habitação que restava em pé sobre a estrutura de madeira que rangia acima do mar era um velho bar onde a garrafa amaldiçoada jazia. Ela ficava no alto da estante, esperando que alguém a tocasse e a levasse embora para fazer mais vítimas. Ele entrou ali, a sujeira rapidamente sumiu, os reparos foram feitos como mágica e o local já estava pronto para abrir. Foi para os fundos, encontrou uma cama e se deitou para dormir. Estava com sono, mas não dormia. Fechava os olhos e teimava em se sentir acompanhado apesar de estar sozinho. Abria os olhos, com raiva, e tentava dormir. Se viu incapaz de ficar sossegado e não dormiu aquela noite. Pela manhã começou a ter alucinações, tremendo todas às vezes ao se lembrar de seu triste passado...

...