Retorno
– Sinto
falta de ar... Eu estou me sentindo pesado... Não consigo respirar... Está
doendo muito... Alguém? Alguém pode me ajudar? Por favor, alguém me salve da
escuridão!
– Você não
vai conseguir, é tarde demais... Você matou... Você destruiu... Agora você deve
prosseguir com o fardo de tua desgraça... Destrua mais... Mate mais... Faça de
tudo para conseguir tê-lo de novo!
Ele chorava
copiosamente. Estava sozinho, triste, perdido. Não havia lugar para onde ir,
não havia mais ninguém para amá-lo... Ninguém amaria um pecador como ele, um
assassino, um ser louco, um monstro horrendo de feições grosseiras. Sua pela
possui várias escamas grossas e negras com veias em tons de vermelho sangue.
Sobre o olho esquerdo uma enorme cicatriz que vai de cima abaixo sobre o rosto.
Ali não havia globo ocular, perdera numa briga com seu antigo mestre por tê-lo
desrespeitado. Alguns fios de cabelo vermelho sobreviviam no topo da cabeça em
meio à pele dura formando uma crista. Seu corpo estava completamente machucado,
com feridas abertas que sangravam abundantemente. Estava quente e, de repente,
estava frio, mudando de novo em seguida. Ele vivia um inferno que só ele
entendia como era ruim. A sua desgraça? Ter vivido!
– Eu tive
algo um dia, algo que amei e que não suportaria perder de novo. Eu não posso,
eu não consigo...
– Vá!
Procure pelo que perdeu e encontre! E destrua tudo em seu caminho, destrua
todos em seu caminho... Eles não se importam com você, eles não se importam com
a sua dor... Você estaria passando fome por causa deles... Você seria pobre
vivendo no meio da rua! Estaria sujo, fedendo, não teria dignidade nenhuma!
Você é uma desgraça! Você não vale nada! Vá! Destrua tudo! Destrua todos! Não
deixe que aqueles miseráveis existam enquanto você sofre por causa deles!
– O que eu
devo fazer?
– Procure o
que eles te tiraram... Arranque de suas mãos o que eles te roubaram... Faça
isso e devore, devore os dedos, os braços e as cabeças deles! Sim, as cabeças!
Arranque-lhes as cabeças! Eles devem pagar por terem te roubado aquilo que você
tinha de mais precioso! Faça...
– Para onde
eu vou?
– Para o
planeta Terra!
Aquele
corpo rochoso que pairava inerte no espaço começou a se mover e a acelerar.
Passou por galáxias de várias formas, tipos e tamanhos. Entrou na Via Láctea e
tomou o curso para o sistema solar. Destruiu alguns asteróides com violência e,
num feixe de luz, adentrou a atmosfera do planeta azul. O impacto foi terrível,
causando terremotos e formando uma imensa cratera no solo.
Todas as autoridades científicas
do mundo estavam em polvorosa, assustadas com o aparecimento repentino de algo
que no dia anterior não aparecia nas imagens de satélite. A discussão era
grande, poderia realmente haver alguns corpos espaciais que poderiam aparecer
repentinamente e destruir todo o planeta? A vida poderia acabar de um dia para
o outro? Não havia respostas concretas, a velha desculpa que adia a importância
do que está sendo feito hoje foi usada e tudo se acalmou novamente –
mantendo-se a desconfiança que poucos insistem em sustentar.
Pesquisadores se dirigiram para o
local da queda, um lugar de difícil acesso, diga-se de passagem, recheado de
superstições exageradas e nada plausíveis que, por falta de verba e por ser um
local inóspito, ninguém se atrevia a desvendar seus segredos. Os carros
demoraram algumas horas para chegar, tendo sido anteriormente levados de
helicóptero até o local mais próximo. Era como se o espaço fosse maior quando
percorrido...
Na cratera, uma casca oca que
ainda liberava alguma fumaça:
– Não pode ser! – disse o
especialista
– Por quê? Algum problema? –
perguntou o estagiário que estava junto com ele para carregar os equipamentos.
– Para um meteoro se quebrar
assim, de forma natural, ele teria que já estar oco... No espaço!
– Como assim?
– Ele deveria ter se partido
durante a queda... Essa crosta se quebrou agora! – ele pediu algum instrumento
ao ajudante enquanto olhava absorto para a formação rochosa desconhecida. – Não
é esse que eu quer... quero?
Ao lado dele estava alguém
diferente, vestido com as mesmas roupas do estagiário. Seu sorriso era largo,
maior do que poderia caber numa boca comum e seus olhos estavam arregalados.
– Onde está Julian? – o estranho
abriu a boca, mostrando os dentes.
– Ele teve de sair...
– O quê? Não... Não pode ser...
Por Deus!
– Sim... – ele abriu a boca e
esticou a longa língua com um pedaço de orelha com um brinco familiar ao
pesquisador. Engoliu tudo em seguida, voltando a sorrir. – Você, ateu, não
deveria falar o nome do criador em vão! Justo você, que tenta provar a todo
custo que tudo isso que você está vendo ao seu redor, não foi feito por uma
mente superior, a qual você nunca irá entender o sentido de seus atos. Você não
merece existir...
O estranho pegou em seu ombro e o
braço inteiro veio ao chão.
– AAAAAAAAAAHHHHHHHHHH! – o
pesquisador olhava atônito, no centro daquela mão, havia outra boca. Encurralado
contra o meteorito, aquela nova língua da mão lambeu o rosto do pesquisador,
queimando profundamente sua pele.
O pesquisador correu por onde
pode, procurando aqueles que o acompanharam permeando a forte neblina. O sangue
jorrava do braço amputado e o ferimento no rosto ardia. Escorreu em algum lugar
e, por falta de sustentação devido à saliva que continuava a corroer a pele, o
olho saiu de sua órbita pendendo no ar.
– SOCORRO! – neblina por todos os
lados, ninguém aparecia.
Olhou para as suas pernas e
encontrou um braço com a farda da operação especial que lhe trouxera para
aquele lugar... não havia corpo.
– O carro! Onde está o carro?!
– Está na minha barriga... – o
estranho segurou o seu olho solto e o arrancou.
– AAAHHH! – ele choramingava e
arfava ao mesmo tempo. – Me deixe em paz? Vá embora! Eu não quero morr...
– Sabe, eu apenas estou com
fome... – no momento seguinte, não havia mais corpo, nem carne, nem ossos. O
estranho lambeu os lábios com a língua e respirou fundo. – Já estou satisfeito,
já posso ir para lá...
Com o corpo feito em fumaça, ele
sumiu na neblina e surgiu novamente em outro lugar, um lugar que nenhum humano
jamais conseguiu sair. Era uma praia localizada na Rússia, no litoral entre a
parte européia e asiática. Havia som de
mar, havia areia, havia um píer de barcos sem barco nenhum. Somente ao longe
sobrevivia um navio velho encalhado. Os mares estavam revoltos, o tempo era
sempre escuro. Naquele território curiosamente havia dias em que a noite
imperava por completo e poderia permanecer daquele jeito indeterminadamente.
Era sombrio estar ali, num porto
amaldiçoado. Sim, amaldiçoado! O infortúnio imperava ali. As construções em plena
decomposição se mantinham congeladas no tempo, tempo este que era vindouro e
prospero. Um aventureiro havia descoberto aquele lugar e se estabeleceu ali,
outros vieram com ele e uma pequena cidade se formou. Eles enriqueceram e eram
felizes com suas famílias... até o dia em que a garrafa maldita havia chegado.
Ela estava fechada e muitos tentaram abri-la, sem nenhum sucesso. A discórdia súbita veio, todos queriam aquela
garrafa, mesmo sem saber por que. Eles brigaram, mataram uns aos outros e logo
não sobrou ninguém. A garrafa se abriu sozinha e sugou seus corpos para dentro
dela. No rótulo apagado, estavam escritas duas palavras. A primeira podia ainda
ser lida claramente “Angel’s” e a segunda não era possível entender.
O estranho aparecera justamente ali.
A semelhança com sua própria força demoníaca era incrível, se sentia como se
estivesse em casa. A única habitação que restava em pé sobre a estrutura de
madeira que rangia acima do mar era um velho bar onde a garrafa amaldiçoada
jazia. Ela ficava no alto da estante, esperando que alguém a tocasse e a
levasse embora para fazer mais vítimas. Ele entrou ali, a sujeira rapidamente
sumiu, os reparos foram feitos como mágica e o local já estava pronto para
abrir. Foi para os fundos, encontrou uma cama e se deitou para dormir. Estava
com sono, mas não dormia. Fechava os olhos e teimava em se sentir acompanhado
apesar de estar sozinho. Abria os olhos, com raiva, e tentava dormir. Se viu
incapaz de ficar sossegado e não dormiu aquela noite. Pela manhã começou a ter
alucinações, tremendo todas às vezes ao se lembrar de seu triste passado...
...